quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A oração de Jesus

A oração de Jesus
por Joshuah de Bragança Soares

Paíssy Velitchkovsky,
staretz responsável pelo reaparecimento dos startsy nos mosteiros russos no século 19
Oração de Jesus, que se espalha hoje pelo Ocidente com tanta rapidez e aceitação, não só nos círculos da vida consagrada, mas também entre simples leigos, é a marca da espiritualidade dos monges orientais, principalmente dos mosteiros da Rússia, a partir do século 19, propagada através de um inspirado opúsculo, os Relatos de um Peregrino. O que significa orar?
O que quer dizer orar continuamente? A recomendação de São Paulo é:
“Orai continuamente” (1 Ts 5, 17) e “Orai constantemente no Espírito” (Ef 6, 18). Como pode o homem alcançar este dom da oração contínua, se tem que se ocupar de tantas coisas para ganhar o sustento material de cada dia? No anseio de encontrar o caminho e os instrumentos para estabelecer o colóquio permanente com Deus, os monges do Egito, no início do Cristianismo; depois, da Grécia, e finalmente, da Rússia, aprenderam a praticar a oração do coração que o peregrino russo ensina, passo a passo, aos leitores dos seus Relatos.
A certa altura do capítulo 2, ele explica: São Gregório de Tessalônica diz: “Não devemos nos contentar apenas em cumprir o preceito divino de rezar incessantemente em nome de Jesus Cristo, mas também devemos ensinar esta oração às pessoas com quem convivemos: religiosos e simples fiéis, gente culta e gente sem instrução, homens, mulheres e crianças também, procurando despertar em todos o fervor da oração incessante”.
São Calixto diz: “Não devemos reservar só para nós o exercício espiritual, a oração interior, o conhecimento da contemplação e todos os meios de elevar a nossa alma a Deus, mas devemos preservar essa experiência – por escrito – para ajudar os outros, para colaborar para a salvação de todos”.
A peregrinação da vida espiritual
O opúsculo Relatos de um Peregrino descreve a peregrinação de um cristão devoto, que ouviu o convite da oração contínua, e saiu à sua procura por todo o território da Santa Rússia, de mosteiro em mosteiro, de igreja em igreja, por toda a parte, por cidades belas e por regiões inóspitas, entrevistando-se com pessoas de bem e deparando-se com pessoas indiferentes, senão até do mal. Simbolicamente, esta é a peregrinação da alma devota, pelo vasto território da vida espiritual, em busca de um dom de Deus, um carisma especial: a oração contínua, aquela oração em que o coração se abre para o colóquio com Deus, em qualquer lugar, em qualquer tempo.
A fórmula da oração
Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, porque sou pecador. Esta é a breve invocação que aparece em vários lugares do Evangelho. É a oração do cego de Jericó a Jesus que passava: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim” (Lc 18, 38).
É a súplica do publicano no templo:

Staretz, ancião experiente que guia espiritualmente os mais jovens
“Meu Deus, tem compaixão de mim, que sou pecador” (Lc 18, 13).
É a prece dos dois cegos:
“Tem compaixão de nós, Filho de Davi” (Mt 9, 27).
É o pedido da cananéia:
“Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim” (Mt 15, 21).
É a mesma reza do pai do jovem epiléptico, a mesma dos dez leprosos curados por Jesus.
Esta invocação está no início, meio e fim das orações de todas as igrejas:
Kírie, eléison imas. O verbo grego (eléison) lembra o fármaco do óleo de oliveira que cura as feridas e o verbo eslavo (pomílui) tem a mesma raiz da palavra que significa ternura, compaixão.
Tende piedade de nós significa: - desculpa a nossa fragilidade e trata-nos com tua ternura.
A vida humana é uma só, mas com um lado exterior, material; e outro interior, espiritual. A oração de Jesus é um exercício espiritual que funde os dois lados da vida humana na unificação interior, sob a ação do Espírito Santo. O peregrino confidencia, com toda naturalidade, que debalde consultou livros e doutos pregadores, e que só começou a experimentar os frutos de seus esforços e aprendizado, quando humildemente aceitou a instrução de um ancião, um guia espiritual (staretz) experiente. O guia é indispensável.
O guia da oração
Quem é o ancião experiente, o staretz, tão presente na vida espiritual da Rússia?
O Ocidente veio a conhecer este tipo de mestre, característico do monaquismo russo, através do romance de Dostoievsky:
Os Irmãos Karamazov. Os startsy eram venerados no Oriente, e também na Rússia antiga, desde os primeiros séculos do cristianismo, mas reapareceram especialmente nos mosteiros russos no século 19, com o staretz Paíssy Velitchkovsky e seus discípulos. Os startsy mais famosos foram os do mosteiro de Optino. Qual a relação do staretz com quem se inicia na vida espiritual? Dostoievsky diz que o staretz atrai a alma e a vontade do discípulo para a sua vontade, de modo que, ao escolher um staretz como pai espiritual, o cristão renuncia à sua própria vontade e se submete inteiramente à dele, com absoluta resignação, voluntariamente, na esperança de conquistar o autocontrole e, pela obediência, conquistar a perfeita liberdade, num esforço de regeneração, passando da escravidão para a liberdade.
O Metropolita Pedro de Suroj descreve a pessoa do staretz, pelo lado carismático, quando diz:
“Alguém só pode chegar a ser staretz pela graça de Deus, porque este estado é um carisma, um dom especial. Não se aprende a ser staretz, como não se aprende a ser gênio. Assim, Beethoven, Mozart, Leonardo da Vinci e Rubliov possuíam o gênio, que não pode ser aprendido em nenhuma escola, em nenhum trabalho, nem com a experiência, porque é um dom da graça divina”. O peregrino aconselha os iniciantes a não se descuidarem de buscar a orientação do guia espiritual, para não caírem em ilusões.
A este respeito, o Bispo Kallistos Ware adverte, principalmente os cristãos ocidentais, a não pensarem que a oração do coração é uma forma nova e exótica, como uma espécie de ioga cristã para alcançar a paz e a tranqüilidade. Ele diz que, na oração, a repetição puramente mecânica é incapaz de alcançar alguma coisa. Esta oração não é um talismã mágico; requer-se, além da fé, um grande esforço. A oração de Jesus não é mero exercício de concentração e relaxamento, meditação transcendental ou mantra cristão, mas a invocação de Deus feito homem, nosso Salvador e Redentor.
O que aí parece ser insinuação de uma técnica psicofísica é algo secundário, porque a oração, como dom de Deus, não está sujeita a nenhuma técnica. Com as devidas precauções que o Bispo Kallistos expõe, a forma secundária de repetição ininterrupta da fórmula, com exercícios de concentração e respiração, é um instrumento que ajuda a alcançar a oração do coração, como o peregrino explica através das palavras de autoridade do staretz, quando este ensina que “...a oração contínua é a aspiração ininterrupta que impele o espírito humano para Deus... é a invocação ininterrupta do seu nome divino com a mente e com o coração... em todo o tempo e em todo lugar”. Lendo-se o livro do peregrino, aprende-se a oração de Jesus, passo a passo, e se experimenta o gosto pela leitura sagrada da Escritura, a lectio divina monástica e a leitura espiritual da Filocália.
 

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