quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O homem em oração : A intercessão de Abraão por Sodoma

Praça de São Pedro
Quarta-feira, 18 de Maio de 2011




O homem em oração (3)

A intercessão de Abraão por Sodoma (Gn 18, 16-33)

Prezados irmãos e irmãs

Nas últimas duas catequeses reflectimos sobre a oração como fenómeno universal, que — embora de diversas formas — está presente nas culturas de todos os tempos. Hoje, ao contrário, gostaria de começar um percurso bíblico sobre este tema, que nos levará a aprofundar o diálogo de aliança entre Deus e o homem, que anima a história da salvação até ao ápice, à palavra definitiva que é Jesus Cristo. Este caminho levar-nos-á a meditar sobre alguns importantes textos e figuras paradigmáticas do Antigo e do Novo Testamento. Será Abraão, o grande Patriarca, pai de todos os fiéis (cf. Rm 4, 11-12.16-17), a oferecer-nos um primeiro exemplo de oração, no episódio da intercessão pelas cidades de Sodoma e Gomorra. E gostaria também de vos convidar a aproveitar o percurso que faremos nas próximas catequeses, para aprender a conhecer mais a Bíblia, a qual espero que tenhais nos vossos lares e, durante a semana, deter-se a lê-la e a meditá-la na oração, para conhecer a maravilhosa história da relação entre Deus e o homem, entre Deus que se nos comunica e o homem que responde, que reza.

O primeiro texto sobre o qual queremos meditar encontra-se no capítulo 18 do Livro do Génesis; narra-se que a malvadez dos habitantes de Sodoma e Gomorra tinha chegado ao ápice, a ponto de tornar necessária uma intervenção de Deus para cumprir um gesto de justiça e para deter o mal, destruindo aquelas cidades. É aqui que se insere Abraão, com a sua prece de intercessão. Deus decide revelar-lhe aquilo que está para acontecer, e faz-lhe conhecer a gravidade do mal e as suas terríveis consequências, porque Abraão é o seu eleito, escolhido para se tornar um grande povo e fazer chegar a bênção divina ao mundo inteiro. A sua missão é de salvação, e deve responder ao pecado que invadiu a realidade do homem; através dele, o Senhor quer reconduzir a humanidade à fé, à obediência e à justiça. E agora, este amigo de Deus abre-se à realidade e à necessidade do mundo, ora por aqueles que estão para ser punidos e pede que sejam salvos.

Abraão delineia imediatamente o problema em toda a sua gravidade, e diz ao Senhor: «E vais exterminar, ao mesmo tempo, o justo com o culpado? Talvez haja cinquenta justos na cidade: matá-los-ás a todos? Não perdoarás a cidade, por causa dos cinquenta justos que nela podem existir? Não, não serás capaz de proceder assim, e matar o justo com o culpado, tratando-os da mesma maneira! Longe de ti semelhante pensamento! O Juiz de toda a terra não fará justiça?» (vv. 23-25). Com estas palavras, com grande coragem, Abraão põe diante de Deus a necessidade de evitar uma justiça sumária: se a cidade é culpada, é justo condenar o seu crime e infligir o castigo, mas — afirma o grande Patriarca — seria injusto punir de modo indiscriminado todos os seus habitantes. Se na cidade existe alguns inocentes, eles não podem ser tratados como os culpados. Deus, que é um Juiz justo, não pode agir deste modo, diz justamente Abraão a Deus.

Mas, se lermos mais atentamente o texto, dar-nos-emos conta de que o pedido de Abraão é ainda mais sério e mais profundo, porque não se limita a pedir a salvação para os inocentes. Abraão pede o perdão para toda a cidade, e fá-lo apelando-se à justiça de Deus; com efeito, diz ao Senhor: «Não perdoarás a cidade, por causa dos cinquenta justos que nela podem existir?» (v. 24 b). Agindo deste modo, põe em jogo uma nova ideia de justiça: não aquela que se limita a punir os culpados, como fazem os homens, mas uma justiça diferente, divina, que busca o bem e o cria através do perdão que transforma o pecador, o converte e o salva. Portanto, com a sua oração, Abraão não invoca uma justiça meramente retributiva, mas uma intervenção de salvação que, tendo em consideração os inocentes, liberte da culpa inclusive os ímpios, perdoando-os. O pensamento de Abraão, que parece quase paradoxal, poder-se-ia resumir assim: obviamente, não se podem tratar os inocentes como os culpados, pois isto seria injusto; ao contrário, é necessário tratar os culpados como os inocentes, pondo em acção uma justiça «superior», oferecendo-lhes uma possibilidade de salvação, porque se os malfeitores aceitam o perdão de Deus e confessam a própria culpa, deixando-se salvar, já não continuarão a cometer o mal, mas tornar-se-ão também eles justos, e já sem a necessidade de ser punidos.

Este é o pedido de justiça que Abraão expressa na sua intercessão, um pedido que se baseia na certeza de que o Senhor é misericordioso. Abraão não pede a Deus algo contrário à sua essência, bate à porta do coração de Deus, conhecendo a sua verdadeira vontade. Sem dúvida, Sodoma é uma grande cidade, e cinquenta justos parecem poucos, mas não são porventura a justiça de Deus e o seu perdão a manifestação da força do bem, embora ele pareça menor e mais frágil que o mal? A destruição de Sodoma devia impedir o mal presente na cidade, mas Abraão sabe que Deus tem outros modos e outros meios para deter a propagação do mal. É o perdão que interrompe a espiral do pecado e, no seu diálogo com Deus, Abraão apela-se precisamente a isto. E quando o Senhor aceita perdoar a cidade, se nela encontrar cinquenta justos, a sua oração de intercessão começa a descer rumo aos abismos da misericórdia divina. Abraão — como recordamos — faz diminuir progressivamente o número de inocnetes necessários para a salvação: se não forem cinquenta, poderiam ser suficientes quarenta e cinco, e depois cada vez menos, até dez, continuando com a sua súplica, que se faz quase ousada na insistência: «Talvez ali se encontrem quarenta... trinta... vinte... dez» (cf. vv. 29.30.31.32). E quanto menor se torna o número, tanto maior se revela e se manifesta a misericórdia de Deus, que ouve com paciência a oração, a acolhe e a repete a cada súplica: «Perdoarei... não destruirei... não o farei» (cf. vv. 26.28.29.30.31.32).

Assim, por intercessão de Abraão, Sodoma poderá ser salva, se nela se encontrarem unicamente dez inocentes. Este é o poder da oração. Porque através da intercessão, da prece a Deus pela salvação dos outros manifesta-se a exprime-se o desejo de salvação que Deus nutre sempre pelo homem pecador. Com efeito, o mal não pode ser aceite, deve ser indicado e destruído através da punição: a destruição de Sodoma tinha precisamente esta função. Mas o Senhor não quer a morte do ímpio, mas que se converta e viva (cf. Ez 18, 23; 33, 11); o seu desejo é sempre o de perdoar, salvar, dar vida, transformar o mal em bem. Ora, é precisamente este desejo divino que, na oração, se torna desejo do homem e se exprime através das palavras da intercessão. Com a sua súplica, Abraão empresta a própria voz, mas também o seu coração, à vontade divina: o desejo de Deus é misericórdia, amor e vontade de salvação, e este desejo de Deus encontrou em Abraão e na sua oração a possibilidade de se manifestar de modo concreto no interior da história dos homens, para estar presente onde há necessidade da graça. Com a voz da sua oração, Abraão dá voz ao desejo de Deus, que não é o de destruir, mas de salvar Sodoma, de dar vida ao pecador convertido.

É isto que o Senhor quer, e o seu diálogo com Abraão é uma manifestação prolongada e inequívoca do seu amor misericordioso. A necessidade de encontrar homens justos no interior da cidade torna-se cada vez menos exigente e, no final, serão suficientes dez delas para salvar a totalidade da população. No texto não se diz por que motivo Abraão se limita a dez. Talvez seja um número que indica um núcleo comunitário mínimo (ainda hoje, dez pessoas são o quorum necessário para a oração pública judaica). De qualquer modo, trata-se de um número reduzido, uma pequena parte de bem pela qual começar para salvar um grande mal. Mas em Sodoma e Gomorra, não havia sequer dez justos, e assim as cidades foram destruídas. Uma destruição testemunhada de modo paradoxal como necessária, precisamente pela prece de intercessão de Abraão. Pois foi exactamente aquela oração que revelou a vontade salvífica de Deus: o Senhor estava disposto a perdoar, desejava fazê-lo, mas as cidades estavam fechadas num mal totalizador e paralisador, sem sequer poucos inocentes, a partir dos quais começar para transformar o mal em bem. Pois é precisamente este o caminho da salvação, que também Abraão pedia: ser salvos não quer dizer simplesmente evitar a punição, mas ser libertados do mal que habita em nós. Não é o castigo que deve ser eliminado, mas o pecado, aquela rejeição de Deus e do amor que já traz em si o castigo. O profeta Jeremias dirá ao povo rebelde: «Valeu-te este castigo a tua malícia, e as tuas infidelidades atraíram sobre ti a punição. Sabe, portanto, e vê como te foi funesto e amargo abandonar o Senhor teu Deus» (Jr 2, 19). É desta tristeza e amargura que o Senhor quer salvar o homem, libertando-o do pecado. Mas é necessária, portanto, uma transformação a partir de dentro, uma grande ocasião de bem, um início a partir do qual começar para mudar o mal em bem, o ódio em amor e a vingança em perdão. Por isso, os justos devem estar dentro da cidade, e Abraão repete continuamente: «Talvez ali se encontrem...». «Ali»: é no interior da realidade doentia que deve existir aquele germe de bem que pode purificar e restituir a vida. É uma palavra dirigida também a nós: que nas nossas cidades se encontre o germe do bem; façamos de tudo para que haja não só dez justos, para fazer realmente viver e sobreviver as nossas cidades e para nos salvar desta amargura interior, que é a ausência de Deus. E na realidade doentia de Sodoma e Gomorra não se encontrava aquele germe de bem.

Mas a misericórdia de Deus na história do seu povo amplia-se ulteriormente. Se, para salvar Sodoma eram necessários dez justos, o profeta Jeremias dirá, em nome do Todo-Poderoso, que basta um único justo para salvar Jerusalém: «Percorrei as ruas de Jerusalém, olhai, perguntai; procurai nas praças, vede se nelas encontrais um homem, um só homem que pratique a justiça e seja leal; então Eu perdoarei a cidade» (5, 1). O número diminuiu ainda mais, e a bondade de Deus mostra-se ainda maior. E no entanto isto ainda não é suficiente, a misericórdia superabundante de Deus não encontra a resposta de bem que procura, e Jerusalém cai sob o assédio do inimigo. Será preciso que o próprio Deus se torne aquele justo. E este é o mistério da Encarnação: para garantir um justo, Ele mesmo se faz homem. Sempre haverá um justo, porque é Ele: porém, é preciso que o próprio Deus se torne aquele justo. O amor divino infinito e surpreendente será plenamente manifestado, quando o Filho de Deus se fizer homem, o Justo definitivo, o Inocente perfeito, que trará a salvação ao mundo inteiro, morrendo na cruz, perdoando e intercedendo por quantos «não sabem o que fazem» (Lc 23, 34). Então, a oração de cada homem encontrará a sua resposta, então cada uma das nossas intercessões será plenamente atendida.

Caros irmãos e irmãs, a súplica de Abraão, nosso pai na fé, nos ensine a abrir cada vez vez o coração à misericórdia superabundante de Deus, para que na prece quotidiana saibamos desejar a salvação da humanidade e pedi-la com perseverança e confiança ao Senhor, que é grande no amor. Obrigado!





À Igreja na China

Queridos irmãos e irmãs!

Durante o tempo pascal, a liturgia canta a Cristo ressuscitado dos mortos, vencedor da morte e do pecado, vivo e presente na vida da Igreja e nas vicissitudes do mundo. A Boa Nova do Amor de Deus manifestado em Cristo, Cordeiro imolado, Bom Pastor que dá a vida pelos seus, difunde-se incessantemente até aos extremos confins da terra e, ao mesmo tempo, encontra rejeição e impedimentos em todas as partes do mundo. Como então, ainda hoje, da Cruz à Ressurreição.

A terça-feira, 24 de Maio, é dedicada à memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria, Auxílio dos Cristãos, venerada com grande devoção no Santuário de Sheshan em Shangai: toda a Igreja se une em oração com a Igreja que está na China. Lá, como noutras partes, Cristo vive a sua paixão. Enquanto aumenta o número de quantos O acolhem como seu Senhor, por outros Cristo é rejeitado, ignorado ou perseguido: «Saulo, Saulo, por que me persegues?» (Act 9, 4). A Igreja na China, sobretudo neste momento, precisa da oração da Igreja universal. Convido, em primeiro lugar, todos os católicos chineses a continuar a intensificar a própria oração, sobretudo a Maria, Virgem forte. Mas também para todos os católicos do mundo rezar pela Igreja que está na China deve ser um compromisso: aqueles fiéis têm direito à nossa oração, precisam da nossa oração.

Dos Actos dos Apóstolos sabemos que, quando Pedro estava na prisão, todos rezaram com vigor e obtiveram que um anjo o libertasse. Também nós façamos o mesmo: rezemos intensamente, todos juntos, por esta Igreja, confiantes de que, com a oração, podemos fazer algo muito real por ela.

Os católicos chineses, como disseram muitas vezes, desejam a unidade com a Igreja universal, com o Pastor supremo, com o Sucessor de Pedro. Com a oração podemos obter que a Igreja na China permaneça una, santa e católica, fiel e firme na doutrina e na disciplina eclesial. Ela merece todo o nosso afecto.

Sabemos que, entre os nossos irmãos Bispos, alguns sofrem e estão sob pressão no exercício do seu ministério episcopal. A eles, aos sacerdotes e a todos os católicos que encontram dificuldades na profissão livre de fé expressemos a nossa proximidade. Com a nossa oração podemos ajudá-los a encontrar o caminho para manter viva a fé, forte a esperança, fervorosa a caridade para com todos e íntegra a eclesiologia que herdámos do Senhor e dos Apóstolos e que nos foi transmitida com fidelidade até aos nossos dias. Com a oração podemos obter que o seu desejo de estar na Igreja una e universal, supere a tentação de um caminho independente de Pedro. A oração pode obter, para eles e para nós, a alegria e a força de anunciar e de testemunhar, com toda a franqueza e sem impedimentos, Jesus Cristo crucificado e ressuscitado, o Homem novo, vencedor do pecado e da morte.

Com todos vós peço a Maria que interceda a fim de que todos eles se conformem cada vez mais estreitamente com Cristo e se dediquem com generosidade sempre nova aos irmãos. A Maria peço que ilumine aqueles que estão na dúvida, chame os perdidos, conforte os aflitos, fortaleça os que são seduzidos pelas lisonjas do oportunismo. Auxílio dos cristãos, Nossa Senhora de Sheshan, intercede por nós!



Saudação

Uma saudação amiga para os fiéis da paróquia da Covilhã e da diocese de Maringá, para os Irmãos Maristas da província Brasil Centro-Sul e demais peregrinos de língua portuguesa! Cnvido-vos a aproveitar o percurso que faremos nas próximas catequeses para conhecer melhor a Bíblia, que tendes – penso eu – em casa. Durante a semana, parai um pouco a lê-la e meditá-la na oração para aprenderdes a história maravilhosa da relação entre Deus e o homem: Deus que Se comunica a nós, e nós que Lhe respondemos rezando. Sereis assim uma bênção no meio dos vossos irmãos, como foi Abraão. A Virgem Mãe vos guie e proteja!

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